A Câmara Municipal de Natal realizou nesta quarta-feira (1º) a Sessão Solene de entrega da Comenda José Clementino, de proposição da vereadora Brisa Bracchi (PT). A honraria é destinada a reconhecer lideranças e entidades que atuam na promoção da cultura afro-brasileira, na defesa das religiões de matrizes africana e ameríndia e no combate ao racismo e à intolerância religiosa. Nesta edição, dez sacerdotes e dirigentes de terreiros foram homenageados.
A comenda reverencia o legado de Pai José Clementino, fundador da Cabana Umbandista Pai Joaquim de Angola e figura central da cultura afro-brasileira em Natal. Falecido em 2021, aos 90 anos, Clementino foi um dos grandes articuladores da Umbanda no Rio Grande do Norte, tendo presidido a Federação de Umbanda e liderado lutas emblemáticas, como a implantação da estátua de Iemanjá na Praia do Meio e a defesa da proteção aos terreiros.
Em seu pronunciamento, a vereadora Brisa Bracchi destacou a simbologia da solenidade: “As religiões de matriz africana foram por muito tempo criminalizadas e até hoje ainda sofrem com o racismo religioso. Os terreiros são depredados, sacerdotes e fiéis seguem sendo alvo de preconceito. Hoje é o momento de dizer que não há nada de errado, pelo contrário: é motivo de orgulho. Esta comenda é o reconhecimento do povo de Natal ao povo de terreiro”.
Vozes dos terreiros
Entre os homenageados, Pai Itamar (Itamar Pereira de Lima), dirigente do Centro Espírita Ogum Beira Mar, ressaltou o valor do respeito entre credos: “Se nossa religião vai sendo mais reconhecida e respeitada, isso nos ajuda a combater o preconceito. Eu sempre digo: religião não se discute, se une. Toda religião deveria andar de mãos dadas”.
O candomblecista Babá Gregory de Gbessen (Gregory Nobre), dirigente do Ilê Axé Oxumarê, destacou que, apesar dos avanços, a intolerância ainda persiste: “O preconceito religioso ainda existe. Por isso, é fundamental que o poder público acolha todos os credos e fortaleça esse respeito”.
Já Pai Freitas, Mestre de Jurema (Severino William Freitas), dirigente do Instituto Cultural e Religioso Mestre Benedito Fumaça, em Macaíba, lembrou o papel da Jurema como religião originária do Brasil: “Antes mesmo de qualquer outra fé chegar, os indígenas já cultuavam seus ancestrais e a mãe natureza. A Jurema Sagrada é a primeira religião do Brasil, e essa homenagem da Câmara nos fortalece”.
A Iyalaxé Flaviana, do coletivo Gama (Grupo de Articulação de MatrizAfricanaeAmeríndia), reforçou o papel da comenda no resgate à memória e para visibilidade dos povos de terreiros: “Pai Clementino foi um baluarte. Organizou a luta do povo de terreiro e ajudou a combater o racismo religioso. Essa medalha tira o povo da invisibilidade e nos torna mais fortes".
Reconhecimento e resistência
A solenidade reuniu representantes das religiões de matriz africana e ameríndia (Umbanda, Candomblé e Jurema Sagrada), reafirmando o caráter plural da Câmara Municipal e a importância de dar visibilidade à resistência dos povos de terreiro. Para além da homenagem, a comenda reforça o chamado à sociedade para combater a intolerância religiosa e valorizar o legado cultural e espiritual construído há séculos no Brasil.
Também compuseram a mesa dos trabalhos Aécio de Lima Gomes, subcoordenador de políticas e promoção da igualdade racial, e o assessor parlamentar Renato Santos, representando a deputada estadual Isolda Dantas.
Texto: Ilana Albuquerque
Fotos: Verônica Macedo